em defesa do centro
Dois meses trabalhando no Centro de Porto Alegre foi o tempo que eu levei para perceber como essa parte da cidade é incrivelmente bacana. Foge da minha compreensão os motivos pelos quais tanta gente costuma dizer que odeia o Centro. Talvez elas tenham vivenciado experiências traumáticas, aí até aceito o tal ódio. Do contrário, me passa pela cabeça que quem não gosta do Centro é alguém preconceituoso ou, no mínimo, alguém que absorveu alta dosagem de influência da imprensa local que faz de tudo para catar problemas e culpar a administração do PT por eles. Não vou defender a prefeitura porque admito que ela tem alguns vícios que não conseguiu curar... mesmo assim é uma ótima administração, ok? Só quero dividir um pensamento que vem me tocando cada dia mais um pouquinho...
Porque chamei as pessoas de preconceituosas? Porque andar no Centro da cidade (e isso vale para qualquer cidade do mundo) significa cruzar, olhar, encarar, esbarrar, desviar, encontrar uma variedade infinita de gente. E o que de tão ruim tem em fazer isso? Eu realmente não sei a resposta, pois para mim tem sido muito bom!!!!! Ora, somos seres humanos e é esse carnaval todo que faz tudo ficar legal. Eu não inventei isso... com certeza já li ou ouvi alguém falar assim.. devia ser alguém que gosta de gente! Eu não sou chegada a multidões, mas acontece que no Centro nós somos apenas passantes e acho que é essa sensação que faz ele ficar legal.
É gente de um lado para outro, cada um no seu ritmo, com sua história.. uns com fones de ouvido, outros soltando fumaça de cigarro. Namorados abraçados, mães que esquecem que o tamanho do filho não chega a altura dos quadris delas e acabam arrastando as pobres crianças pelo braço. Tem camelô anunciando a última oferta, tem faxineira de loja varrendo o pó bem na hora que a gente passa... vai tudo para os nossos pés.
Tem apressados, atrasados, entregadores de papelzinho com propaganda de corte de cabelo por R$ 1,00 (essa cena é engraçadíssima: o entregador do papelzinho quase enfia goela-baixo do transeunte a dita propaganda, só que o cara era careca! Juro que vi isso porque eu fui a próxima a pegar aquele maldito papelzinho e depois não tinha onde jogar e levei para casa). Tem homens cartazes, executivos, turistas.. gente com pacote em baixo do braço e estudante de cursinho mascando chiclete. Tem gente bonita, gente feia, branco, negra, amarela, gorda, gordíssima, magros e esqueléticos, velhos e velhas sujos, velhos e velhas bonitos, madame com segurança, mendigo cabeludo, boy malandro, cigana, estátua humana, músicos colombianos e seus bumbos e flautas indefectíveis, patrão e empregado, tem funcionário público e político discursando na esquina, tem perdidos e perdidas que chega a dar pena de ver a pessoa sem rumo pendindo ajuda.
Churrasquinho na esquina é batata: me abre o apetite, mas ainda não criei coragem para engolir um. Tem taxista mal humorado que acha que é o dono da rua, tem motorista que pára em cima da faixa de segurança, tem padre e freira, puta e michê. Drogado e ladrão, golpista e polícia. Sim, tem polícia!
Tudo isso é só uma parte do Centro. Olho para cima. Tem céu azul e céu nublado, mas de repente tem alguém pensando debruçado no parapeito de uma janela minúscula. Tem até varal de roupa estendida! Em alguns prédios mais novos, com cobertura, você vai enxergar árvores floridas. Não raro você vai ver uma palmeira balançando. Tem bandeira do Grêmio e do Internacional... ultimamente, tem bandeira política. Tem fila de banco e tem fila de restaurante. Tem bingo. Meia dúzia de prédios históricos são um colírio no meio do mau gosto de arquitetos e publicitários que poluem o visual com prédios retos e placas de pintura barata. Aliás, até isso de alguma maneira acaba sendo legal.. repare bem nos nomes de algumas lojas, são ótimos! Olho para o chão e vejo sujeira. Vejo verduras podres na volta do Mercado Público. Vejo papéis jogados e sacos de lixo esquecidos. Mas eu vejo garis fazendo o seu trabalho também. No estante seguinte, vejo o lugar sujo ficar limpo.
Ufa! Tá aí uma explicação para o meu cansaço todos os dias. Passar pelo Centro é uma aventura diária e tanto. Faz isso de vez em quando... sempre tem coisas novas a descobrir e sempre alguém terá um olhar diferente do meu. Vale a pena. O que eu queria dizer mesmo é que o Centro não é o inferno. O Centro é um pouquinho de tudo e de todos... é o jeito que vivemos, ricos e pobres, dividindo o mesmo espaço... uns com medo, uns com alegria. Uns fugindo dos outros. Vai lá: um pouquinho de paciência vai te fazer bem... Nem que seja para tomar um sorvete na Banca 40 do Mercado. (Só tem uma coisa que detesto mesmo: pombas! Elas poderiam não existir que eu não sentiria a menor falta).
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